06 abril 2009

MURO do PONTAL

Orla do Guaíba - foto: Eduino de Mattos

MURO do PONTAL
Edmundo Füller

No passado, diante de freqüentes invasões, as cidades eram protegidas por espessas e altas muralhas. A cidade de Jericó -8500 aC- na terra de Canaã, além da muralha, era envolvida por um fosso. Mênfins no Egito, Khorsabad na Assíria, Ur na Caldéia, de onde partiu o patriarca Abraão em direção a Harã, ao norte do atual Iraque, porque era, então, eminente um ataque da tribo dos elemitas vinda do Irã.
No presente, a cidade “sorriso” das trágicas carroças, cresce cercada de toneladas de aço, cercas eletrônicas, portões automáticos que fazem a alegria dos seus fornecedores. Condomínios verticais, horizontais, residências uni familiares, bancos, escolas, verdadeiros presídios, procuram proteger-se cada vez mais dos constantes assaltos. Uma das causas é o desemprego que se acentua diante do estouro da bolha do sistema financeiro previsto no horizonte liberal. Seus saqueadores acham-se em liberdade e o grito de socorro obriga a intervenção do estado, numa ciranda sem fim. Pobreza, miséria, desemprego e mais violência.
O pontal do estaleiro, área de vocação humanista está sendo invadida pelo homem, e para se proteger das cheias do rio - que por sua vez busca por justa causa natural respirar, banhando suas margens – irá construir não uma muralha espessa, mas uma dupla cortina de concreto, a fim de evitar inundações, principalmente para as garagens com capacidade para 500 carros. Bombas de recalque, transformadores e geradores, uma parafernália técnica, armas prontas para atacarem.
Em 10 set/62 o prefeito Loureiro da Silva assinou um decreto humanista, de desapropriação. É criado o Parque M de Vento em substituição ao antigo prado (11,5 ha). O jornalista Alberto André, os vereadores Germano Petersen Filho e Marino dos Santos tiveram atuação marcante. E hoje temos o Parcão, um oásis cercado por uma alta carga viária – ruídos, buzinaços e CO2 – constituindo-se num verdadeiro pulmão verde. Um espaço físico rico, criativo com uma tipologia variada de árvores, copas coloridas, arbustos, plantas, flores e lago animado por aves, promovendo um ambiente que estimula o convívio, o relacionamento humano e acima de tudo o equilíbrio físico-mental.
Mas, para o pontal da desesperança, num primeiro momento, sem consulta popular acrescentou-se o uso comercial. Insatisfeitos, os incorporadores agora querem adicionar o uso residencial. Uma área que poderia receber cinco bosques zoneados a partir do ipê roxo, amarelo, rosa, flamboyant e coníferas, que acolheriam equipamento cultural e de recreação. Uma parcela de um patrimônio ecológico maior, a orla do Guaíba que por sua vez vem sendo progressivamente invadida.
Em 1976 o estaleiro Só incendiou. Tanques de óleo de dois navios cargueiros ancorados para reparos explodiram morrendo cerca de 140 operários. Um sinistro ocorrido fruto da imprudência, negligência, e hoje a área adquirida por um valor simbólico de R$ 7,6 milhões não estaria correndo o risco de um novo sinistro: a ocupação intensiva?
A população deverá responder não sob forma de adágio, mas num vibrante allegro com fuoco: NÃO ao pontal da desesperança!


Edmundo Füller é arquiteto e professor da UFRGS