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Papagaios "urbanos" em Porto Alegre - Foto: Cesar Cardia |
Mais um excelente texto do engenheiro agronônomo Julio Cesar Rech Anhaia, recebido por e-mail:
PRESERVAR A BIODIVERSIDADE É PROTEGER A VIDA
As atividades humanas são a principal causa da perda de biodiversidade
“Precisamos mudar para um paradigma econômico alternativo que não reduza todo e qualquer valor a preços de mercado e toda atividade humana ao comércio. Do ponto de vista ecológico, essa abordagem implica em reconhecer o valor biodiversidade em si. Todas as formas de vida têm um direito inerente à vida; essa deveria ser a razão primordial para prevenirmos a extinção de espécies.”
SHIVA V., 2001
A ONU adotou o dia 22 de maio como o dia da diversidade biológica como forma de alertar, sensibilizar e aumentar o conhecimento sobre o assunto.
Vivemos em uma época em que tudo acontece de modo acelerado. A deterioração causada ao meio ambiente é decorrente de inúmeras intervenções causadas pelos seres humanos no processo associado ao capitalismo e ao consumo desenfreado, gerando automaticamente poluição e degradação sem precedentes.
A biodiversidade refere-se à “[...] variedade e variabilidade existentes entre organismos vivos e ecossistemas nos quais eles se mantêm. Ela engloba todos os níveis de diversidade que se estendem dos genes à biosfera, passando pelo nível das espécies, dos ecossistemas e das paisagens”.
A biodiversidade é uma preocupação crescente da comunidade internacional, a perda de diferentes espécies de animais, plantas e micro-organismos vem se acelerando. A vida na Terra depende da natureza. Os seres humanos precisam da diversidade biológica para o fornecimento de serviços importantes, como alimentação e recursos hídricos. A natureza também é uma fonte de oportunidades econômicas. A proteção da biodiversidade interessa a todos, pois sua perda tende a provocar: a extinção de espécies; a perda de diversidade genética; a propagação global de plantas e animais comuns; maiores mudanças no modo de funcionamento dos ecossistemas, os quais fornecem serviços essenciais para a vida humana, como produtos farmacêuticos, alimentos, madeira e purificação do ar e da água.
É a base da sustentabilidade dos ecossistemas naturais, dos serviços ambientais, dos recursos florestais e pesqueiros, da agricultura e da indústria da biotecnologia. O Brasil, por seu turno, é o país com a maior biodiversidade do mundo, contando com um número estimado de mais de 20% do número total de espécies do planeta. No entanto, fatores diversos, como a perda de hábitats, a fragmentação de ecossistemas, o problema das espécies invasoras, entre outros, têm causado uma enorme perda dessa diversidade, extinguindo espécies, não só no Brasil como em todo o mundo.
A humanidade é ela própria parte da biodiversidade e a nossa existência seria impossível sem ela. Qualidade de vida, competitividade econômica, emprego e segurança, tudo depende deste capital natural. Biodiversidade é fundamental para os "serviços ecossistêmicos", ou seja, os serviços que a natureza fornece: regulação do clima, da água e do ar, fertilidade dos solos e produção de alimentos, combustível, fibras e medicamentos. A biodiversidade é essencial para manter a viabilidade da agricultura e das pescas, além disso, é à base de muitos processos industriais e da produção de novos medicamentos.
A fragmentação dos habitats, causada pela urbanização e agricultura, e a superexploração dos recursos naturais provocam a diminuição do número de espécies. Como essas são atividades reguladas pelo governo, as Entidades de Fiscalização Superiores podem desempenhar um papel importante ao auditar as ações governamentais. Existem diversas maneiras de proteger a biodiversidade dessas ameaças. Áreas protegidas, como parques nacionais e áreas de conservação, podem ser criadas. Espécies raras e ameaçadas podem ser protegidas por meio de “hotspots” de biodiversidade, áreas com uma alta concentração dessas espécies. A conservação dos componentes da diversidade biológica fora dos seus habitats naturais, como, zoológicos para animais vivos e espécies relacionadas, jardins botânicos para plantas e bancos de genes para a preservação de espécies, pode ser uma ferramenta utilizada para proteger espécies ameaçadas de extinção.
Os esforços de preservação são particularmente importantes nas áreas denominadas "hotspots” da biodiversidade. Essas áreas são os habitats mais ricos e mais ameaçados da Terra. Hotspots são regiões que hospedam uma grande diversidade de espécies endêmicas e, ao mesmo tempo, foram significativamente afetadas e alteradas por atividades humanas. Para ser declarado um hotspot, é preciso que uma região tenha perdido 70% ou mais do seu habitat original. Até o presente momento, a organização Conservation International já identificou 34 hotspots de biodiversidade, nos quais 75% dos mamíferos, aves e anfíbios mais ameaçados do planeta sobrevivem em habitats que cobrem apenas 2,3% da superfície da Terra. Essas áreas precisam ser protegidas contra atividades ilegais, como as queimadas, o cultivo e a caça e pesca clandestina. A conservação deve enfocar habitats críticos, únicos e representativos, que poderão então ser considerados como áreas de proteção prioritárias.
A perda da biodiversidade, o número de espécies de animais, plantas e micro-organismos está em rápida aceleração, num ritmo sem precedentes na história da humanidade, afetando diretamente a estrutura dos nossos ecossistemas, do nosso mundo natural e das nossas vidas. Um dos desafios para sua preservação é a crescente demanda por recursos biológicos, causada pelo crescimento demográfico e pelo aumento do consumo. As pessoas de todo o mundo precisam compreender a importância dos ecossistemas e as vantagens da biodiversidade.
A perda de biodiversidade significa a perda de organismos que tem uma determinada função, sem os quais, outros organismos serão afetados, consequentemente todo o ecossistema de um determinado local será alterado e os serviços ecossistêmicos serão modificados. Além disso, a perda da biodiversidade implica, muitas vezes, na falta de conhecimento científico sobre as espécies que estão em fase de extinção, que poderiam ser importantes em um futuro próximo, quer como princípios ativos para medicamentos ou para fins industriais diversos, por exemplo.
A Convenção sobre Diversidade Biológica reconhece cinco principais ameaças à biodiversidade: alterações no habitat, perda e fragmentação; espécies exóticas invasoras (bioinvasão); exploração excessiva de recursos naturais; poluição e sobrecarga de nutrientes; mudanças climáticas e aquecimento global. Outras ameaças incluem a biotecnologia, os métodos agrícolas, a desertificação, a biopirataria e o comércio ilegal de espécies.
Desastres naturais recentes mostraram que vidas humanas poderiam ter sido salvas e danos reduzidos se os ecossistemas tivessem sido melhor administrados. Por exemplo, nas regiões fora da zona de intensidade máxima do tsunami asiático de 2004, em que as florestas de manguezais haviam sido preservadas, o efeito foi bem menos severo do que nas áreas que haviam sido desmatadas para o cultivo de camarões ou para construção de estâncias para turistas. De forma semelhante, o desvio do Rio Mississipi por meio de um sistema de canais e barragens mudou o seu padrão de sedimentação e erodiu as áreas úmidas. Com essa proteção natural ausente, o furacão Katrina devastou a costa da Louisiana, EUA, em 2005.
Os campos naturais foram alterados drasticamente pelas práticas agrícolas em geral. A expansão da agricultura a partir da década de 70 levou ao cultivo de áreas marginais e à destruição de importantes habitats naturais, como florestas e áreas úmidas.
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O Guaíba e suas aves - Foto: Cesar Cardia |
Os habitats de água doce, inclusive lagos, rios, açudes, córregos, lençóis freáticos, nascentes, águas de caverna, várzeas, brejos, charcos e pântanos, são uma fonte importante de alimentos, renda e subsistência, particularmente nas áreas rurais de países em desenvolvimento.
Esses ecossistemas também fornecem água, energia, transporte, lazer e turismo, equilíbrio hidrológico, retenção de sedimentos e nutrientes e habitats para fauna e flora.
Os ecossistemas de água doce, que muitas vezes são alterados drasticamente pelos seres humanos, estão entre os ecossistemas mais ameaçados devido aos seguintes fatores: alterações físicas; perda e degradação de habitats; drenagem; exploração excessiva; poluição; introdução de espécies exóticas invasoras.
As áreas úmidas onde a água é o fator primário de controle do meio ambiente e na superfície da terra ou próximo dela ou onde a terra é coberta por águas rasas. As áreas úmidas, que cobrem de 4% a 6% do planeta e são um dos principais sistemas de apoio à vida na Terra, proporcionam habitats críticos para muitas espécies de fauna e flora. Elas desempenham papel importante na filtragem e fornecimento de água, retêm sedimentos e nutrientes, estabilizam a linha costeira e mitigam enchentes. Constituem um dos mais produtivos ecossistemas do mundo e é um importante depósito de material genético de plantas, como o arroz.
A sobrevivência das áreas úmidas depende da sua preservação e da conservação de suas funções ecológicas. Historicamente, elas têm sido ameaçadas por invasões, drenagem, aterros, poluição e usos competitivos, como a agricultura e o desenvolvimento urbano.
Em relação às áreas naturais protegidas no Brasil os Campos Sulinos ou Pampa é o bioma que menor tem representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, representando apenas 0,4% da área continental brasileira protegida por unidades de conservação. A Convenção sobre Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário, em suas metas para 2020, prevê a proteção de pelo menos 17% de áreas terrestres representativas da heterogeneidade de cada bioma.
As “Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira”, atualizadas em 2007, resultaram na identificação de 105 áreas do bioma Pampa, destas 41, do total de 34.292 km² foram consideradas de importância biológica extremamente alta.
Estes números contrastam com apenas 3,3% de proteção em unidades de conservação, 2,4% de uso sustentável e 0,9% de proteção integral, com grande lacuna de representação das principais fisionomias de vegetação nativa e de espécies ameaçadas de extinção da fauna e da flora. A criação de unidades de conservação, a recuperação de áreas degradadas e a criação de mosaicos e corredores ecológicos foram identificadas como as ações prioritárias para a conservação, juntamente com a fiscalização e educação ambiental.
Nos Campos Sulinos entre as áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade está a Reserva Biológica do São Donato e seu entorno, Unidade de Conservação Estadual, criada pelo Decreto nº 23.798, de 12 de março de 1975, abrangendo parte do território dos atuais municípios de Itaqui e Maçambará, no oeste do Estado, incluída nos limites da Bacia Hidrográfica U-40, no baixo curso do rio Butuí, afluente do rio Uruguai.
A fauna e a flora do São Donato apresentam grande singularidade devido à ocorrência de espécies de distribuição geográfica bastante restrita no âmbito regional. Além disso, a área abriga animais considerados ameaçados de extinção em escala mundial, nacional e regional. Levantamentos biológicos efetuados na área comprovam sua importância para a conservação da biodiversidade do Estado.
As formas vegetais estão representadas por banhado, florestas e campos. O banhado caracteriza-se por um mosaico de comunidades vegetais herbáceas altas e densas com predomínio de distintas espécies, refletindo condições diferenciadas de habitat. Também estão presentes macrófitas flutuantes e fixas, flutuantes e livres e submersas nos locais com maior profundidade da lâmina d’água. A formação florestal estacional presente na área mostra diluição de elementos da floresta do Alto Uruguai, apresentando espécies em comum com a flora Argentina. O mato é uma mancha bastante representativa das florestas da região, sendo também importantes os remanescentes de matas que apontam o limite natural do banhado, especialmente àquelas localizadas ao sul deste. Os campos limpos são raros, sendo os campos com espinilho mais comuns na região.
O São Donato abriga aproximadamente duzentas espécies de plantas vasculares, protegidas pela legislação estadual, dentre as quais se destacam as leguminosas arbóreas grápia, açucará, cabriúva; de distribuição muito restrita a araticum, outras espécies, com poucos registros, restritos às áreas úmidas da fronteira oeste do RS.
A avifauna contabiliza mais de cento e cinquenta espécies registradas, apresentando grande singularidade regional. É a única área do RS, onde ocorre o carretão, pássaro típico dos banhados de vegetação aquática densa e ameaçado de extinção no Estado. Entre as espécies ameaçadas, destacam-se ainda os caboclinhos, o pato-de-crista, vindo provavelmente da Argentina. Diversas espécies de aves aquáticas utilizam o São Donato como sítio de reprodução, como é o caso do gavião-caramujeiro; destaca-se ainda a primeira observação no Brasil do caboclinho-de-colar-branco, pássaro que se encontra em situação crítica e apresenta uma população mundial estimada em menos de duzentos e cinquenta indivíduos.
A fauna de peixes inclui espécies ameaçadas de extinção que habitam ambientes de água parada em alagados marginais ao banhado, caso dos peixes anuais, amostragens de campo comprovam a importante função do Banhado do São Donato como criatório de peixes, contribuindo para a reposição das populações de várias espécies.
Com relação aos mamíferos, destaca-se a existência de populações numerosas do bugio-preto, de cervídeos florestais, espécies que integram a lista da fauna em extinção no RS, além da população local de lontras, também são significativas.
A situação atual do São Donato é de abandono, todavia não é irreversível. Reduzindo o ritmo de perdas da biodiversidade, uma meta na qual a realização revela-se árdua, difícil de mensurar no estado em que a biodiversidade, não só do Bioma Campos Sulinos, se encontra atualmente, há de se colocar em prática as medidas e as práticas propícias à verdadeira preservação da biodiversidade. Certamente as gerações presentes e futuras, ainda entenderão o porquê da nossa luta pela preservação, conservação e recuperação desta Unidade de Conservação de fundamental importância para a qualidade de vida e a sobrevivência da humanidade.
Os países precisarão reavaliar a maneira como gerenciam seus recursos, revendo a administração dos rios, as regras para a silvicultura, as áreas de pesca e as práticas agrícolas.
Os governos devem levar a biodiversidade em consideração ao tomar decisões que afetam o uso da terra e a exploração de recursos naturais.
Os governos dispõem de uma ampla variedade de ferramentas de políticas públicas para apoiar as medidas de proteção. Dentre essas ferramentas, as principais são os acordos internacionais e regionais de meio ambiente, a legislação e os programas públicos.
Outra maneira de proteger e preservar a biodiversidade é aumentar a conscientização pública sobre questões relacionadas à biodiversidade e ao meio ambiente. A educação da população é um requisito frequente nos acordos internacionais.
A meta acordada pelos governos do mundo em 2002, “atingir até 2010 uma redução significativa da taxa atual de perda de biodiversidade em níveis global, regional e nacional como uma contribuição para a diminuição da pobreza e para o benefício de toda a vida na Terra” não foi alcançada.
A pesquisa e o monitoramento são essenciais para proteger a biodiversidade. É necessário aumentar o conhecimento e a compreensão sobre a biodiversidade, seu valor e as ameaças que enfrenta. A avaliação do estado da biodiversidade, genes, espécies e ecossistemas é um desafio importante. É preciso que haja mais informações disponíveis sobre as vantagens e desvantagens de diferentes variedades de culturas e as mudanças de situação das espécies, ameaçadas ou não, para preservar o equilíbrio biológico. A situação dos habitats, ecossistemas e ameaças deve ser incluída na agenda principal das reuniões ecológicas realizadas hoje para que os esforços de recuperação e restauração produzam resultados.
“As atividades humanas estão sobrecarregando de tal modo às funções naturais da Terra que a capacidade dos ecossistemas do planeta de sustentar as gerações futuras já não é mais uma certeza.”
Julio Cesar Rech Anhaia - Eng.º
Agrº - 22 de maio de 2012