Os Amigos das Árvores

Mais que um direito, uma obrigação!

Essa foi a conclusão que chegaram os poucos moradores das redondezas da Rua Gonçalo de Carvalho, ao saberem pelo jornal que um grande edifício-garagem seria construído junto a uma das mais belas e arborizadas ruas da capital gaúcha.

Seria uma obrigação defender a rua da ameaça que surgia.

Haeni Ficht, dentista, morador da Rua Gonçalo de Carvalho, subsíndico do edifício Ado Malagoli, era vizinho da área onde seria construída a garagem. Ele tomou a decisão de fazer algo para denunciar o que estava para acontecer. Falou com os vizinhos, procurou maiores informações e logo juntou um pequeno grupo disposto a não se omitir.

Os adversários eram poderosos. A obra seria construída no terreno de um Shopping Center, o proprietário do terreno era também dono (na época) de tradicional grupo jornalístico e ainda por cima, o estacionamento faria parte da construção da sede própria de um dos maiores orgulhos do Rio Grande: OSPA – Orquestra Sinfônica de Porto Alegre.

Seria difícil enfrentar adversários desse porte?

Eles acharam que se conseguissem esclarecer o problema, muitas pessoas formariam suas opiniões e apoiariam a causa.

Todos colaboravam como podiam, faziam abaixo-assinados, distribuiam cópias feitas no xerox da esquina, paravam vizinhos na rua e explicavam o caso, pediam apoios por telefone ou e-mail.

Muitos que recusavam apoio, por ser “constrangedor” ficar contra a OSPA, ficavam ainda mais constrangidos quando eram levados para conhecer a rua com suas árvores e pássaros.

Foi uma luta difícil, cansativa e, diziam na época, sem futuro. Não seriam alguns “inimigos da cultura e do progresso” que iriam impedir uma obra grandiosa, já decidida e autorizada pela prefeitura.

Até ameaças de agressão alguns sofreram quando da distribuição de nossos panfletos. Mas tínhamos a certeza de que estávamos fazendo a coisa certa. Sempre tivemos a convicção disso. Descobrimos pessoas de outras ruas, de outros bairros, de entidades ambientalistas e assim recebemos apoios fundamentais para continuar lutando. E não fomos apoiados apenas por gente de nossa cidade: também recebemos apoios de vários lugares do Brasil e até do exterior, graças a essa ferramenta sensacional que é a Internet.

Veio a vitória. Não apenas nossa, mas de toda a cidade e do direito do cidadão ser ouvido. A obra não saiu e a rua, com suas árvores, pássaros e seu calçamento de pedras, foi tombada como Patrimônio Histórico, Cultural e Ecológico de Porto Alegre. Pelo que temos conhecimento, o primeiro caso de uma rua tombada assim, no Brasil e América Latina.

Infelizmente o Haeni morreu antes de ver a vitória de sua rua. Antes mesmo de ver tantas mensagens de apoio que vieram de lugares tão distantes e depois parabenizando pelo tombamento da Rua Gonçalo de Carvalho. Coisas da vida… Mas ele servirá de exemplo sempre que alguém pensar: “Não basta querer ter um mundo melhor, a gente tem é que fazer!“

(Amigos da Rua Gonçalo de Carvalho)



Poeminha do contra*
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!


(*Mário Quintana - o poeta das ruas de Porto Alegre)

Ato de descerramento da Placa Alusiva ao Tombamento da Rua - 5 de junho de 2007.