28 janeiro 2010

Carta Aberta à Cidadania - Fórum Social Mundial 10 anos

Carta Aberta à Cidadania

Nós, integrantes do Movimento em Defesa da Orla do Rio Guaíba, em Porto Alegre, estamos travando legítimo embate democrático para impedir a aprovação de projetos que atentem contra o desenvolvimento urbano sustentável e com especial cuidado à preservação do meio ambiente, para presente e futuras gerações.
Sob o signo do Outro Mundo é Possível, o Fórum Social Mundial retorna ao berço que o gestou, nossa querida Porto Alegre, tão ciosa de seu pioneirismo na vanguarda do planejamento urbanístico; um dia considerada a capital da qualidade de vida, sempre admirada no Brasil e referência de democracia e participação popular no mundo.
10 anos depois vimos como se tornou dramático transformar essa possibilidade ideal em realidade urgente, face à absoluta falência do modelo do Velho Mundo, que defende a produção e o consumo insustentáveis, resultado irreversível da ação humana e insana do poder econômico, que impõem e ameaçam o esgotamento de todas as formas de vida do Planeta.
Vimos em Porto Alegre, como no Brasil e no Mundo, que o jogo político dominado pela ótica dos interesses de grupos econômicos pauta as discussões e prioridades do Estado e atropela o princípio balizar do Estado Democrático de Direito, ao virar as costas para questões prementes, como a função social da terra e a sustentabilidade das cidades.
Evidências indubitáveis para quem acompanhou de perto, durante a revisão do Plano Diretor, a apresentação dos Projetos Especiais em caráter de urgência urgentíssima do Pontal do Estaleiro, da dupla GreNal e, não menos emblemático, do Cais do Porto, aprovadas na Câmara Municipal. Todos embalados em nome do “progresso” pela via de um alardeado desenvolvimento econômico ou condicionante à Copa de 2014, mas verdadeiras moedas de troca para justificar agressões às Áreas de Proteção Permanente e Áreas de Especial Interesse Cultural, transformadas em mercadorias no balcão de negócios do Mercado, com a luxuosa conivência da grande mídia.
Nós participamos diligentes das audiências públicas, sob a batuta do Executivo Municipal, quando assistimos as armações ilimitadas promovidas por entidades ligadas à construção civil: caravanas de ônibus com manifestantes como claque contratada nas votações e o silêncio obsequioso do Ministério Público.
Nós mobilizamos ativamente à Consulta Popular da Prefeitura, quando 80,7% dos eleitores vocalizaram um sonoro NÃO ao Pontal do Estaleiro, ao passo que vereadores desdenhavam os 22 mil participantes, esquecidos de que se elegem “representantes do povo” com menos de 5% desses votos.
Nós testemunhamos incrédulos, no Fórum de Entidades para o Acompanhamento da Revisão do Plano Diretor, alguns vereadores da base do governo negociando emendas diretamente com empresários, dentro do plenário e nas galerias da Câmara, sendo orientados e definindo as votações, ao arrepio do clamor popular.
Nós protestamos indignados contra as alterações propostas no PL 154/09, patrocinadas pela Comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa em uníssono com o agronegócio, para o desmonte arbitrário do Código Ambiental do Rio Grande do Sul, com a concordância do Governo Estadual.
O Movimento em Defesa da Orla do Rio Guaíba vem a público afirmar que está atento e organizado junto à sociedade civil, para exigir a aplicação do Estatuto das Cidades e apontar qualquer desvio de conduta ou irresponsabilidade para com a aplicação das leis em todas as esferas do Estado.

Porto Alegre, 28 de Janeiro de 2010.

Coordenação do Movimento em Defesa da Orla do Rio Guaíba
Comitê Multidisciplinar de Planejamento Urbanístico da Orla do Guaíba



22 janeiro 2010

Abelhas, ameaçadas pela perda de biodiversidade

Las abejas, en riesgo por la pérdida de biodiversidad

La población de abejas productoras de miel está descendiendo dramáticamente debido, principalmente, a la pérdida de diversidad de plantas. Así lo asegura un estudio francés que esta semana publica 'Biology Letters' y que recoge la BBC.

Los científicos descubrieron que las abejas que se alimentan del polen que producen varios tipos de plantas presentan un sistema inmune más fuerte que aquellas que se alimentan de una sola especie. Las abejas necesitan tener un buen sistema inmune para esterilizar la comida para su colonia.

Otra investigación concluyó que tanto las abejas como algunas flores salvajes están reduciendo su población a pasos agigantados. Y hace dos años, otro estudio liderado por científicos británicos y holandeses alertó de que la diversidad de abejas y de otros insectos estaba decreciendo a medida que se reducía la diversidad de plantas de las que se alimentaban.

Evitar infecciones en su colmena


Ahora, el equipo liderado por Cedric Alaux en el Instituto nacional para la investigación agrícola de Francia, en Avignon, muestra un posible vínculo entre la variedad de la dieta de las abejas y la fortaleza de su sistema inmune.

Los insectos que se nutrían con una mezcla de cinco tipos diferentes de polen tenían niveles más altos de glucosa oxidasa (GOX) que las abejas que comían polen de un único tipo de flor, incluso si ésta tenía un contenido proteico mayor.

Las abejas producen glucosa oxidasa para proteger la miel y la comida de las larvas de de microbios. Así, protegen a su colonia de posibles infecciones.

Importantes pérdidas económicas

Por otro lado, un estudio de la Universidad de Reading sugiere que la población de abejas en el Reino Unido está disminuyendo dos veces más rápido que en el resto de Europa.

En EEUU el problema es incluso más grave. Allí, colonias enteras han desaparecido. Las consecuencias para la economía son evidentes por lo que tanto el Gobierno británico como el estadounidense han comenzado a invertir en investigación para averiguar a qué se debe.

En EEUU la pérdida de abejas se ha detectado en colmenas que son transportadas a diversas zonas del país para polinizar importantes cosechas. Por ejemplo, las llevan a una plantación de almendros, donde sólo disponen de un tipo de polen. Además, en EEUU el problema podría deberse también a una pérdida de diversidad de las abejas.

En Francia, el Gobierno ha puesto en marcha un proyecto para sembrar flores en un intento de parar el declive de sus abejas.

Fonte: El Mundo

15 janeiro 2010

“Histórias e Estórias” do Bairro Independência


Rua Independência, 1920


PROJETO DE RELATOS SOBRE AS “HISTÓRIAS E ESTÓRIAS” DO BAIRRO INDEPENDÊNCIA.

Quando: Dia 21 de Janeiro de 2010

Onde: Na Palavraria – Rua Vasco da Gama, 165

Horário: 16 horas

O encontro é uma promoção da AMABI (Associação dos Moradores e Amigos do Bairro Independência) com o objetivo de resgatar a memória do bairro, registrando-a e também o de integrar os moradores.

Participe! Traga os amigos e conhecidos.

Fonte: AMABI


Independência, final década de 10

13 janeiro 2010

Servidão Moderna

“A servidão moderna é uma escravidão voluntária, consentida pela multidão de escravos que se arrastam pela face da terra. Eles mesmos compram as mercadorias que os escravizam cada vez mais. Eles mesmos procuram um trabalho cada vez mais alienante que lhes é dado, se demonstram estar suficientemente domados. Eles mesmos escolhem os mestres a quem deverão servir. Para que esta tragédia absurda possa ter lugar, foi necessário tirar desta classe a consciência de sua exploração e de sua alienação. Aí está a estranha modernidade da nossa época. Contrariamente aos escravos da antiguidade, aos servos da Idade média e aos operários das primeiras revoluções industriais, estamos hoje em dia frente a uma classe totalmente escravizada, só que não sabe, ou melhor, não quer saber. Eles ignoram o que deveria ser a única e legítima reação dos explorados. Aceitam sem discutir a vida lamentável que se planejou para eles. A renúncia e a resignação são a fonte de sua desgraça.”



Do site http://www.delaservitudemoderne.org/espanol1.html:
De la servidumbre moderna es un libro y un documental de 52 minutos producidos de manera totalmente independiente; el libro (y el DVD que contiene) es distribuido gratuitamente en algunos sitios alternativos de Francia y de América Latina. El texto fue creado en Jamaica en octubre de 2007 y el documental fue terminado en Colombia en Mayo de 2009. Existe de él una versión en francés, en inglés y en español. La película ha sido elaborada a partir de fragmentos malversados de películas de ficción y de documentales.

El objetivo central de esta película es poner al día la condición del esclavo moderno en el marco del sistema totalitario mercantil y dar a conocer las formas de mistificación que ocultan esta condición servil. Fue concebida bajo la única intención de atacar de frente la organización dominante del mundo....
El texto y la película están libres de derechos, y pueden ser copiados, difundidos y proyectados sin la menor duda. Son además gratuitos y no pueden ser vendidos ni comercializados bajo ninguna circunstancia. Sería incoherente proponer una crítica de la omnipresencia de las mercancías con otra mercancía. La lucha contra la propiedad privada, intelectual u otra, es nuestra fuerza de ataque contra la dominación presente.

Esta película, difundida por fuera de cualquier circuito legal o comercial, no puede existir sin el apoyo de las personas que organizan la difusión o la proyección. No nos pertenece, pertenece a quienes quieran tomarlo para lanzarlo a la línea de fuego.

Jean-François Brient et Victor León Fuentes

09 janeiro 2010

Dia do Controle da Poluição por Agrotóxicos

DIA DO CONTROLE DA POLUIÇÃO POR AGROTÓXICOS


No calendário civil, 11 de janeiro é dedicado ao Controle da Poluição por Agrotóxicos

“Não há motivo para comemorar o controle da poluição por agrotóxicos, mas sim para refletir sobre o uso indiscriminado. É preciso saber se o agrotóxico é necessário, se o benefício que ele traz compensa os impactos que causa”

A utilização, na agricultura, de produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, conhecidos como pesticidas, praguicidas, formicidas, herbicidas, fungicidas, ou agrotóxicos, inicia-se na década de 20. Durante a 2ª Guerra Mundial, são utilizados como arma química. No Brasil, são utilizados em programas de saúde pública, combate e controle de parasitas.

No Brasil, a desagradável cultura da utilização intensiva de agrotóxicos adveio do famigerado Plano Nacional de Desenvolvimento, de 1975, que forçava os agricultores a compara os venenos através do crédito rural, na medida em que instituía a inclusão de uma cota de agrotóxicos para cada financiamento.

É possível conceber uma agricultura que utilize cada vez menos agrotóxicos? A indústria tende a responder negativamente a esta questão insistindo na idéia de que seus produtos serão cada vez mais seguros e que os problemas resultantes de sua aplicação resolvem-se com a elevação do nível técnico e educacional dos próprios agricultores.

O Brasil atingiu recentemente uma liderança da qual não podemos nos orgulhar. Somos o país que mais consome agrotóxicos no planeta. A “conquista” não pode ser ignorada, como se dela não fizéssemos parte. Se por um lado existe a enorme pressão comercial das empresas produtoras de agrotóxicos, que sem qualquer compromisso com o meio ambiente e com a saúde da população visam apenas o aumento dos lucros, por outro existe todo um contexto que permitiu chegarmos a essa liderança. Faz parte desse contexto, a opção por um modelo de desenvolvimento agrícola em que a intensificação tecnológica gradativamente expulsa a agricultura familiar, e tem sido causa de degradação dos recursos naturais e de exclusão social.


Nesse cenário, o aumento do uso dos agroquímicos tem provocado a contaminação ambiental, com prejuízos para a saúde de agricultores e de consumidores. Hoje, existe um relativo consenso de que é necessário mudar para um formato tecnológico que proporcione condições de sustentabilidade à agricultura. Isso requer, além do fortalecimento de políticas públicas de apoio a uma agricultura menos impactante, a geração de tecnologias que contribuam não só para o aumento da rentabilidade, mas também para a superação de problemas ambientais.

A situação brasileira chama atenção, não só pelo impressionante aumento no consumo de agrotóxicos nos últimos anos, mas, sobretudo pela completa falência do sistema público de controle posto em execução a partir dos anos 1980. O instrumento de controle do uso de agrotóxicos no País, o Receituário Agronômico, este completamente falido, o que contribui para que hoje o Brasil tenha se habituado a celebrar anualmente o aumento das vendas de agrotóxicos como sinal de progresso e condição indispensável para o aumento das safras. O que está em jogo aí, muito mais que a contra partida ao aumento da produção agropecuária, é um sistema de cuja agenda desapareceu inteiramente a meta de reduzir associação corrente entre comida e veneno.

O pulverizador costal, equipamento de aplicação que representa maior potencial de exposição, é utilizado em 70% dos estabelecimentos que usam algum tipo de agrotóxico. Pelo menos 20% dos estabelecimentos que usam agrotóxicos, não utilizam EPI (equipamento de proteção individual), mesmo quando os produtores respondem que usam EPI para a aplicação dos agrotóxicos, muitas vezes eles se resumem a luvas e botas.


O uso de agrotóxicos ocorre sem assistência técnica ou auxílio de equipamentos adequados de proteção em grande parte dos estabelecimentos agrícolas.

Estudos relacionados aos impactos do manuseio dos agrotóxicos por trabalhadores indicam que mesmo com a utilização dos EPIs, a aplicação não é segura. Além do EPI, há uma série de outras exigências que qualificam aquilo que se chama de “uso seguro dos agrotóxicos”. Um dos pré-requisitos é o respeito ao que se chama de “período de carência”, após a aplicação do veneno, quando ninguém pode ingressar na área.

Também a segurança dos EPIs é muito relativa, eles são muito desconfortáveis e quando muito baratos, mal acabados, incomodam. Outro problema recorrente é a absorção dos agrotóxicos pela pele: “O uniforme fica encharcado de agrotóxicos. E, em vez de ser lavado pela empresa, é levado para a casa do trabalhador e lavado junto com a roupa da família, como acontece muitas vezes, assim à família corre grandes riscos de ficar contaminada”.

No caso da saúde dos trabalhadores, os riscos variam de acordo com tempo e dose da exposição a diferentes produtos. Assim, os efeitos podem ser agudos ou crônicos. O principal efeito agudo são intoxicações, dores de cabeça, alergias, náuseas e vômitos. “Dependendo do tempo de exposição, pode haver uma intoxicação aguda completamente reversível, mas também pode haver efeitos subagudos que deixarão lesões neurológicas periféricas que podem comprometer tanto a parte da sensibilidade quanto a parte motora”.

Os efeitos crônicos são mais difíceis de identificar porque podem ser atribuídos a outros quadros clínicos, “mas vão desde infertilidade masculina, má formação congênita, abortamento precoce, recém-nascidos com baixo peso, cânceres especialmente os linfomas, leucemias, doenças hepáticas crônicas, alterações do sistema imunológico, possibilidade de mutagênese que é a indução de mudanças genéticas que vão resultar em processos de cânceres ou em filhos com má formação congênita, problemas de pele e respiratórios, até praticamente todas as doenças neurológicas, tanto centrais quanto periféricas.

O que mais preocupa é que à ausência de controle público sobre o tema corresponde uma escassez impressionante de informações sobre o grau das contaminações por agrotóxicos.

É a própria noção da eficiência da agricultura que deve ser colocada em questão diante destes dados. A continuidade do processo de abertura da fronteira agrícola e o emprego em escala tão impressionante dos agrotóxicos sinalizam custos que não fazem parte do preço dos produtos. É uma forma perversa de competitividade diante da qual os principais atores em torno do tema, a começar pelos técnicos capacitados e habilitados para tal, estejam eles na extensão oficial ou não, têm manifestado preocupante indiferença.


No cerne da questão dos agrotóxicos está o paradigma de que a praga é um inimigo que precisa ser destruído, eliminado. Na verdade, a praga é um indicador biológico. Se há praga é porque alguma coisa está errada. A agricultura biológica, com a sua proposta holística, leva em consideração aspectos fundamentais como a saúde do solo, a rotação de cultivos, consorciações, o que contribui para uma boa nutrição da plantas. Assim, ela fortalecida não favorece o crescimento das pragas.

A meta é continuarmos alertando sobre os danos, dando orientações gerais de segurança. Como prevenir acidentes, a vestimenta e equipamentos de segurança adequados, o que fazer em caso de intoxicação, os efeitos tóxicos, etc.

“As contaminações por agrotóxicos são muito freqüentes e provocam, no mais das vezes, seqüelas no ser humano. Têm sido observados e relatados casos agudos de intoxicação, com lesões das mais diversas, distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor e mortes na lavoura”.

 Texto enviado por Julio Cesar Rech Anhaia – Engº Agrº - Alegrete/RS

03 janeiro 2010

O solo impermeável da cidade é uma das causas das enchentes?

"A várzea pertence ao rio"
sábado, 12 de dezembro de 2009, 16:22
Em momentos críticos, como temporais, Tietê e Pinheiros irão sempre buscar o que lhes foi tirado
Ivan Marsiglia - jornal O Estado de S. Paulo


ODETTE – 'Os automóveis foram uma opção imposta goela abaixo’

WILTON JUNIOR/AE

ODETTE – "Os automóveis foram uma opção imposta goela abaixo"

Pé d’água, mesmo, não foi. Mas uma chuva compacta e homogênea, a mais volumosa em dois anos, caindo sobre quase toda a cidade durante 24 horas. E a terça-feira da maior metrópole brasileira amanheceu parada e submersa. Foram registrados 105 pontos de alagamento, entre eles as marginais dos Rios Pinheiros e Tietê. E seis pessoas morreram em deslizamentos de terra – no caso mais grave, em Santana de Parnaíba, quatro irmãos de uma mesma família, três deles, crianças.
A tragédia deixou “constrangida e indignada, mas não surpresa” a geógrafa paulistana Odette Carvalho de Lima Seabra. Autora de Os Meandros dos Rios nos Meandros do Poder: O Processo de Valorização dos Rios e das Várzeas do Tietê e do Pinheiros, apresentado como tese de doutorado na USP em 1987, a professora considera corretas as medidas tomadas nos últimos anos para mitigar as enchentes. Mas o sistema já está próximo de seu limite.
Colega do célebre geógrafo baiano Milton Santos, morto em 2001, Odette diz que as políticas públicas destinadas às várzeas dos Rios Pinheiros e Tietê tiveram um protagonista privado: a São Paulo Tramway, Light and Power Company – empresa de capital canadense que energizou o processo de urbanização brasileiro nas décadas de 30, 40 e 50. Afirma que as várzeas onde o governo do Estado assenta obras de ampliação das marginais são parte integrante dos rios – que as requisitam de volta, nas enchentes. E aponta que a solução definitiva passa por mudanças profundas no modo de vida na cidade.


As cenas de inundação na terça-feira surpreenderam a senhora?
Fiquei, como todo o mundo, constrangida e indignada. É insuportável saber que somos obrigados a viver essas tragédias ano após ano. Mas não posso dizer que as imagens me surpreenderam. As medidas que vêm sendo tomadas desde 1999 são corretas. Mas ocorre que a capacidade do Tietê está no limite. A interligação de bacias necessária ao abastecimento de São Paulo faz com que, por exemplo, 33 metros cúbicos por segundo da bacia hidrográfica do Rio Piracicaba caiam aqui.

O solo impermeável da cidade é uma das causas das enchentes?
Também. As chuvas, a cada ano, são mais torrenciais. Há dados mostrando isso. Temos um volume aumentado de água na rede, impermeabilização crescente do solo e ocupação desordenada do rebordo externo da bacia. Eu me refiro à zona leste de São Paulo, à vertente sul da Cantareira, essa porção de colinas, onde têm ocorrido desastres. O solo, lá, é de rigolito, fixo apenas pela vegetação. Com o desmatamento, ainda que seja uma simples abertura entre as casas, tudo fica sujeito a deslizamentos. Além disso, por gravidade, os detritos chegam à calha do rio. Por isso o Tietê tem um trabalho de desassoreamento que não pode parar.

É difícil imaginar Paris sem o Sena, Londres sem o Tâmisa, Viena sem o Danúbio. Que falta faz um rio a uma grande cidade?
O rio é uma referência de lugar e de espaço, integra a identidade de um povo. Quando ele está perdido, como no nosso caso, é uma ausência importante. Vi um documentário que mostrava como os brasileiros voltaram as costas para os rios. Há quem cruze o Tietê quatro vezes ao dia sem se dar conta.

Seu doutorado mostra como as estratégias de ocupação das margens do Tietê e do Pinheiros foram definidas a partir dos interesses da Light. Como isso se deu?
Esse é o rescaldo negativo do imperialismo das grandes empresas nos países subdesenvolvidos. A Light, da qual hoje pouco se fala, provocou uma grande mobilização no Brasil das décadas de 30, 40 e 50. A companhia era uma espécie de polvo, atuando em diferentes esferas. Foi tão importante na história de São Paulo que passou a integrar o imaginário. Aparecia na música, na poesia, na retórica popular. Havia até uma expressão: “E eu com a Light?”

Como ela atuava?
No final do século 19, a Light tinha o monopólio da geração e difusão de hidreletricidade no mundo. E entrou no Brasil da mesma forma que na Guatemala, no México e mesmo em Barcelona, na Espanha. Um grupo econômico se mobilizava para levantar fundos, sob a bandeira da rainha da Inglaterra, e obtinha exclusividade no mercado. Em São Paulo, primeiro atuou no transporte urbano. Em 1899, ganhou uma concessão interessante, para a construção de bondes elétricos, embora não houvesse eletricidade na cidade! Em 1901, já tinha construído uma hidrelétrica, em Santana de Parnaíba: mandava energia para movimentar os bondes, iluminar vitrines, ruas, etc. A Light tinha uma racionalidade que a administração pública e a sociedade local não acompanhavam. E um ideário muito forte de progresso. Sempre digo aos meus alunos: isso foi importante, a energia elétrica é uma revolução, muda a vida cotidiana e a noção de tempo na cidade. Só que aqui a Light montou um Estado dentro do Estado.

E inverteu o curso do Rio Pinheiros.
Isso foi em novembro de 1928. A inversão era para canalizar a água para uma represa que já funcionava no sopé da serra, em Cubatão. Pelos decretos, para compensar seus investimentos, a Light ganhava o direito de desapropriar imóveis de toda a várzea do Rio Pinheiros, “para fins de utilidade pública”. O que sempre foi prerrogativa do governo central. Essa área seria delimitada por uma tal “linha da máxima enchente”, que encontrei em mapas confeccionados no Canadá, ainda feitos de pano. Tomaram como referência a famosa enchente de 1929, a maior que houve em São Paulo. E tudo passou a ser da Light, de onde a água chegou até o leito do rio. Entendi nisso a demarcação de um território. E nós, que estudamos geografia, sabemos o que o território é: uma jurisdição de poder. Daí para a frente, um fiscal de terras passou a proibir as pessoas de usarem a várzea, fosse para jogar bola ou levar cabras para beber água.

E como a companhia conseguiu o direito de revender essas terras de ‘utilidade pública’ depois?
Eles fizeram acordos com os expropriados, sempre estipulando critérios e preços. Houve movimentos de resistência de moradores, que foram ao presidente Getúlio Vargas, até que ele se manifestasse contra. Mas a essa altura tudo estava sob litígio e começou o movimento dos advogados, ganhando cobres às custas dos expropriados.

A proximidade das pistas do leito dos rios nas marginais é muito criticada por urbanistas. Por que elas foram parar lá?
Nos anos 60, com o Plano de Metas, foi preciso abrir espaço para circularem os automóveis. Tem início outro padrão e modo de vida. O Estado planejou as marginais e pressionou a Light: “Agora, vamos intervir, porque é preciso modernizar a estrutura de transporte do País”. Veja que, até então, em São Paulo andava-se de carroça, bonde ou barco – cerca de 500 deles transitavam no Tietê. Com a entrada da indústria automobilística, o transporte por rio desaparece e o ferroviário entra em declínio. Os bondes saíram de circulação não porque as pessoas não mais os quisessem, mas porque outra opção de transporte foi imposta goela abaixo.

É por isso que senhora diz que ‘os enigmas do funcionamento da Bacia do Alto Tietê traduzem o modus operandi da modernização geral da sociedade’?
Se a gente tem noção da história, fica ingênuo discutir quem fez as marginais e foi responsável por esses equívocos. Mas, com o partido rodoviário sendo adotado como modalidade de transporte nacional, a sequência só poderia ter sido essa. No caso da Light, é preciso levar em conta também que éramos uma República nova, sem conhecimento de estruturas jurídicas, com uma sociedade pouco aparelhada para negociar com o trust. Não que, por princípio, as pessoas fossem boas ou más. É um processo.

Os moradores mais antigos da cidade têm a memória de um Tietê onde se nadava, praticava remo. Como se transformou em uma ‘cloaca a céu aberto’, como a senhora diz?
Em minha tese, entrevistei um ex-barqueiro, de 96 anos, que passou a vida recolhendo areia do fundo do Tietê para vender. Ele me contou que, em 1935, já não podia mais beber a água do rio, e a levava de casa. Perguntei por quê. “Desde que a Nitroquímica se estabeleceu em São Miguel os peixes começaram a morrer e a gente não podia mais beber a água.” Ainda na década de 20, quando a Light obteve o monopólio do Rio Pinheiros, as autoridades decidiram deslocar os barqueiros para o Tietê. Houve processos na Justiça e, num deles, um barqueiro questiona: “Já não dá para tirar areia entre a Ponte Pequena e a foz do Rio Pinheiros, porque o fundo do rio é lodo e esgoto”. A contaminação é um processo que vem com a urbanização. Seus efeitos deveriam ter sido domesticados ao longo do tempo, mas ela foi avassaladora e não pudemos raciocinar sobre os problemas que a industrialização trazia.

Dezenas de projetos de ampliação do leito e embelezamento das margens foram realizados em São Paulo, sem que os rios fossem de fato recuperados – como ocorreu com o Tâmisa, em Londres. Por quê?
Primeiro, a gente continua poluindo o Tietê. A poluição industrial foi controlada, mas a doméstica, não. Há um problema de infraestrutura difícil de enfrentar. É muito caro fazer interligação de esgotos. Às vezes, os espíritos românticos maquiam as margens, produzem discursos... Mas a solução ainda está distante.

Não será porque obras sanitárias têm pouca visibilidade política?
Também. E porque a necessidade cresce em ritmo geométrico. Um grande problema hoje, por exemplo, é a capacidade de escoamento. Já temos 43 piscinões que, juntos, comportam o volume de um Tietê. Mas eles não bastam. É igualmente simplório atribuir o problema à sujeira dos bueiros. Lidamos com o fardo pesado dessa longa história de urbanização.

A recente ampliação das pistas nas marginais é uma boa ideia? O especialista em drenagem urbana da Poli-USP Mario Thadeu Leme de Barros disse que será preciso ‘renaturalizar as bacias’ e, em 20 ou 30 anos, acabar com as marginais.
Não fiz coro às críticas sobre a ampliação das marginais porque enfrento engarrafamentos todo dia e sei que alguma coisa tinha que ser feita. No plano de macrodrenagem existe uma proposta séria de recuperação das várzeas, mas que exige investimentos extraordinários. No Canadá isso foi feito: restituíram a várzea ao rio, pois ela é parte dele, pertence a ele. Por isso, nas enchentes, o rio a requisita de volta. Lá construíram jardins que, quando têm de encher de água, enchem. A solução definitiva é pensar em um novo desenho urbano.

A senhora acredita que algum dia possa haver um pacto político, social, ambiental e econômico para recuperar de fato esses rios?
Se um dia alguém levantar essa bandeira e conseguir o mínimo que seja, estará fazendo muito. Devolvendo as várzeas ao rio teríamos uma outra cidade – e isso só acontece com uma mudança no modo de vida. Para começar, exigiria menos automóveis, que regem hoje as formas de ocupação de espaço e regulação do tempo na cidade.

Ambientalistas dizem que ‘o carro é o novo cigarro’, um símbolo anacrônico de status, a ser banido.
Seria bom mesmo. Mas como agir numa sociedade desse tamanho, com milhões de pessoas circulando para cima e para baixo? Uma pesquisa que fizemos em Parelheiros, no extremo sul da cidade, mostrou que existe gente nascida lá, que já é adulta e nunca saiu da região. Não conhece nem o centro. Chamo isso de confinamento dos pobres. Com tantas carências, como arcar com o custo social de liberar as várzeas?

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,a-varzea-pertence-ao-rio,481032,0.htm
O link dessa matéria foi enviado pelo Hélio Paz.