Por José Saramago
Todos os dias desaparecem espécies animais e vegetais,   idiomas, ofícios. Os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez   mais pobres. Cada dia há uma minoria que sabe mais e uma minoria que   sabe menos. A ignorância expande-se de forma aterradora. Temos um   gravíssimo problema na redistribuição da riqueza. A exploração chegou a   requintes diabólicos. As multinacionais dominam o mundo. Não sei se são   as sombras ou as imagens que nos ocultam a realidade. Podemos discutir   sobre o tema infinitamente, o certo é que perdemos capacidade crítica   para analisar o que se passa no mundo. Daí que pareça que estamos   encerrados na caverna de Platão. Abandonamos a nossa responsabilidade de   pensar, de actuar. Convertemo-nos em seres inertes sem a capacidade de   indignação, de inconformismo e de protesto que nos caracterizou  durante  muitos anos. Estamos a chegar ao fim de uma civilização e não  gosto da  que se anuncia. O neo-liberalismo, em minha opinião, é um novo   totalitarismo disfarçado de democracia, da qual não mantém mais que as   aparências. O centro comercial é o símbolo desse novo mundo. Mas há   outro pequeno mundo que desaparece, o das pequenas indústrias e do   artesanato. Está claro que tudo tem de morrer, mas há gente que,   enquanto vive, tem a construir a sua própria felicidade, e esses são   eliminados. Perdem a batalha pela sobrevivência, não suportaram viver   segundo as regras do sistema. Vão-se como vencidos, mas com a dignidade   intacta, simplesmente dizendo que se retiram porque não querem este   mundo.
Publicado no “O Caderno de Saramago“
José Saramago em Porto Alegre (5º Fórum Social Mundial - Federico Mayor Zaragoza, José Saramago, Ignacio Ramonet y Eduardo Galeano):